A doutrina não é o que mais interessa, o importante é o respeito da escolha
Coletivismo e individualismo são temas recorrentes e preponderantes em nossa cultura. O coletivismo consiste em uma doutrina que prega que os bens de consumo devem ser igualmente distribuídos para uma coletividade. O individualismo, por sua vez, prega a liberdade do indivíduo. São várias e polêmicas as teses que sustentam ambos, mas acredito que, para conseguirmos ser felizes e fazer o outro feliz não precisamos entender tais teorias, mas necessitamos adotar uma simples prática: fazer o que me faz feliz sem atrapalhar o outro. Alguns leitores mais críticos poderão dizer que este é um conceito individualista e, de certo modo sim. E daí? De fato acredito que podemos pegar o que há de melhor em cada uma destas doutrinas. Se agarrar a uma ideia e levantar a bandeira é coisa de gente vaidosa e insegura que precisa se apoiar para se sentir segura e, quando alguém mostra algo diferente, sente-se ferida em sua vaidade, em seu orgulho.
Podemos ter um princípio coletivista e ao mesmo tempo respeitar o direito do indivíduo. Concordo que o coletivismo às vezes ‘força’ as pessoas a acreditarem em um ideal comum. Isto é tirar a liberdade, é subestimar acreditando que alguém pode pensar pelo todo, que o indivíduo é incapaz de decidir o que há de melhor para si e lutar para conseguir. Mário Vargas Llosa foi muito feliz quando afirmou que "devemos buscar a perfeição na criação, na vocação, no amor, no prazer. Mas tudo isso no campo individual. No coletivo, não devemos tentar trazer a felicidade para toda a sociedade. O paraíso não é igual para todos." O que é bom para mim pode não ser bom para você e vice-versa. É preciso respeitar até mesmo quando o outro quer sofrer. É direito dele.
Bert Hellinger, criador da terapia da Constelação familiar nos aponta os princípios da ajuda. 1) Ajudar quando podemos; 2) Ajudar quando outro precisa 3) Ajudar quando o outro solicita. A princípio pode parecer egoísta, mas na verdade é respeitoso. Se alguém me vê sofrendo e chorando, por exemplo, esta pessoa pode se perguntar: Eu posso ajudar? Se a resposta for positiva, a pessoa pode conferir se realmente preciso de ajuda, pois às vezes, pode parecer que necessito e, no entanto, posso estar bem, a meu modo. Ok, a pessoa pode me ajudar e entendeu que eu preciso da ajuda. O outro passo é ver se eu quero ajuda. Às vezes posso estar querendo viver meu sofrimento e tudo que o outro pode fazer para me ajudar é me deixar sofrer em paz. Claro que menciono aqui os casos em que a pessoa que sofre está totalmente de posse de suas faculdades mentais.
Para esclarecer o que venho dizendo, menciono aqui o caso de Priscilla, uma mulher de 30 anos, bonita, bem-sucedida, que namora Carlos, um sujeito do tipo ‘bon vivant ‘, que adora gastar o dinheiro da namorada. Toda a família de Priscilla e as amigas já tentaram alertá-la a respeito das “desvirtuosidades” do rapaz, mas Priscilla não aceita a ajuda de ninguém e as pessoas a seu redor se frustram dizendo: “Poxa, ela ignora tudo que digo a ela...” O motivo de Priscilla ignorar tudo isso? Simples, ela não está solicitando a ajuda de ninguém. Acredito que Priscilla é consciente das atitudes do namorado, mas, por algum motivo, ela prefere estar com ele assim. Pode ser que não esteja preparada para romper um relacionamento, ou mesmo para discutir a relação, pode ser que Carlos seja sua melhor opção no momento. Os motivos não sabemos ao certo, mas o fato é que, quando ajudamos sem sermos questionados, nos tornamos invasivos. Por essas e outras, é bom respeitar o direito de escolha de cada um e, ainda que percebamos que ele precise de ajuda, vale a pena respeitar o direito de escolha.
Mas e o coletivismo e individualismo? Como disse anteriormente, podemos perceber o que cada doutrina pode nos oferecer de melhor e saber aproveitar até nas questões mais simples de nosso cotidiano. Vejo que vivemos em uma sociedade, no coletivo, então é indispensável que sigamos algumas leis para vivermos bem. É bom respeitar o coletivo para estarmos bem no aspecto individual. A todo momento vemos pessoas causarem tumultos por desconsiderarem este fato. Não posso fazer o que for melhor para mim se isto atrapalha alguém. Não poderei parar em fila dupla porque isto irá atrapalhar todos que estiverem atrás de mim. Não tenho direito de furar a fila porque isto fere o direito do próximo. Se pararmos para pensar, agimos bem coletivamente quando cuidamos bem de nosso individual, quando não violamos o espaço do outro. Todos poderão viver muito bem se cuidarem bem de si mesmos. Isto é ser individualista, mas podemos perceber que o coletivo caminha bem quando fazemos nosso bem. Se em um determinado momento estava dirigindo e o carro de trás bateu em minha traseira porque o motorista estava falando ao celular e se distraiu. Este motorista não cuidou bem de si e, por isso irá atrapalhar muito o coletivo. Haverá um enorme trânsito, muitas pessoas chegarão atrasadas no trabalho, se enrolarão em seu dia, atrasarão compromissos e deixarão outras pessoas irritadas. Tudo por quê? Porque alguém não cumpriu bem o individual. Só estarei bem coletivamente se tiver bem em meu individual. Para estar bem de verdade comigo mesma, é também necessário que não interfira na vida do outro. Então, o que importa é ser feliz consigo mesmo, seja lá você adepto de qualquer doutrina ou teoria. Ah, lembre-se que para você ser feliz precisa saber respeitar o outro e suas respectivas escolhas. Por: Gisele Aguiar